COMENTÁRIO REDAÇAO ENEM 2013

COMENTÁRIO AO TEMA DE REDAÇÃO DO ENEM 2013

A prova de redação do Enem 2013 foi bem diferente da passada. Em 2012, boa parte dos sites especializados apontava para temas mais populares: sustentabilidade, maioridade penal, consumismo, entre outros. Então, foi grande a surpresa para todos ao se depararem com uma questão que envolve direito internacional: a vinda de profissionais de outros países como Haiti, Bolívia como se estivessem preparando terreno para a chegada de médicos cubanos...

Depois de um tema mais “politizado”, pois aceitar ou não estrangeiros no mercado de trabalho não é só uma liberalidade, mas depende de consentimento do Estado, esperava-se uma temática que seguisse o mesmo rumo. Assim, tratar da soberania nacional, do transporte, do agronegócio, da educação como forma de atingir maior justiça social, eram as abordagens mais cotadas.

Claro está que os candidatos tinham sua preferência, isto é, já haviam optado pelas “manifestações de 2013” ou pelo programa “Mais Médicos”, por conta de seu teor polêmico e atual. Desfeitas as falsas expectativas, à frente deles se descortinou “Os efeitos da implantação da Lei Seca”, que passo a analisar.

Primeiramente, cabe dizer que o Guia do Participante prevê que o tema da redação será de ordem “social, científica, cultural ou política”, o que leva a questionar em qual desses âmbitos se encontra a avaliação quanto aos efeitos de uma Lei.  No caso do “social”, estão envolvidas as lutas de classes, de grupos distintos, de coletividades com realidades diferentes; não é o caso desta Lei, a qual atinge apenas os que conduzem alcoolizados os veículos (art. 1º da Lei 11.705/2008). Muito menos se trata de análise científica, já que a natureza do debate não gira em torno de conhecimentos e práticas a respeito do mundo natural, em determinada época, sociedade (conceito de ciência retirado do dicionário Houaiss). Também não se aplica a um debate cultural, o que atine às demonstrações de peculiaridades da “linguagem, suas técnicas, artefatos, alimentos, costumes, mitos, padrões estéticos e éticos” (Houaiss). Igualmente não diz respeito à política, visto que não está ligada diretamente ao “conjunto de mecanismos que determinam as relações sócio-políticas de uma sociedade” que “englobam direitos e deveres que as diferentes camadas da sociedade têm em relação à participação popular e governamental” (www.guiadedireitos.org). Enfim, para fazer jus ao Guia, deveria ser acrescido neste a ordem “legal”. Era exatamente isto que o candidato deveria fazer: avaliar os efeitos da implantação de uma Lei é fazer uma análise de sua eficácia no mundo jurídico.

 

Essa abordagem rapidamente nos remete a uma frase bem conhecida que consiste em dizer se “a Lei pegou”. Sim, caro leitor, aqui no Brasil a lei pode “não pegar”. No linguajar popular, isso significa que seus efeitos ficarão apenas no papel, na intenção, na vontade. Seria esse o caso da Lei Seca?

Peço licença para fazer uma observação a quem ainda hoje procura entender os requisitos da Redação no Enem. Na apresentação do Guia, o Inep adverte que o candidato deverá “elaborar uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no desenvolvimento do texto”. Isso significa que, obrigatoriamente, o candidato deve fazer a PROBLEMATIZAÇÃO.

Assim, pensemos em duas hipóteses.

Na primeira, o candidato resolve defender a tese de que A IMPLANTAÇÃO DA LEI SECA OBTEVE UM EFICAZ EFEITO. Na segunda, que NÃO HOUVE O EFEITO ESPERADO NA IMPLANTAÇÃO DA LEI.

Na hipótese inicial, haveria uma restrição na problematização, já que o pressuposto seria de que a Lei sanou o problema que a envolvia. Já, na segunda, o candidato poderia argumentar que, inicialmente e em grandes centros, houve um impacto positivo da Lei, mas isso se estendeu apenas ao momento em que as luzes da imprensa estavam ligadas. A partir daí, o produtor do texto teria a oportunidade de fazer variadas análises:

- Há uma propaganda tão grande em torno do consumo de bebidas alcoólicas, que se torna praticamente impossível viabilizar a Lei.

- Culturalmente, o ato de consumir bebidas alcoólicas, em associação à comemoração, à alegria, à vibração, está arraigado na prática do brasileiro, o que o impede de conter-se e não consumir, mesmo quando sabe que irá conduzir um veículo.

- O machismo, ainda latente no Brasil, coloca o consumo do álcool como uma prova de masculinidade, o que impele muitos a “beber e dirigir sim” e “por que não, pois o álcool só afeta os fracos”.

- O Estado vai contra a gênese da Lei Seca quando dá ao jovem, no dia em que completa 18 anos, o direito de beber e de dirigir, concomitantemente, o que é uma grande ironia.

- O Estado vai contra a intenção da Lei Seca quando, em afronta a sua soberania, aceita imposição da FIFA de que haja venda de bebidas alcoólicas no maior evento do futebol mundial. Seria muita ingenuidade da parte do poder público pensar que o condutor/torcedor não irá consumir “uma gelada” e que não irá dirigir após as partidas.

Dependendo de qual ideia o candidato adotasse, e o rol acima é meramente exemplificativo, viriam as propostas de intervenção que deveriam ser detalhadas. Quando o INEP exige tal detalhamento, é para o candidato aprender a não empregar frases vagas como “é preciso investir em educação”, o que pode indicar muita coisa, “inclusive nada”. Então, algumas intervenções possíveis seriam:

- Maior número de blitz para averiguação da lucidez do condutor;

- Uma campanha preventiva mais intensa nas escolas para que os próprios familiares cobrem dos condutores que não haja consumo de álcool antes do adulto se pôr ao volante;

- A exemplo das carteiras de cigarro, que haja imagens de acidentes e acidentados nas embalagens de tais produtos;

- Proibição de propagandas de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja, em TV, internet, rádio, revistas, internet e meios similares;

- Um envolvimento maior do Ministério Público a fim de chamar a juízo os Estados que não agissem em prol da efetivação da Lei da Seca. A omissão é punível tanto quanto a ação, sendo que muitos Estados permanecem inertes, o que não pode ocorrer;

- Acabar com a concomitância da permissão de ingerir bebidas alcoólicas e conduzir veículos ao jovem que completa 18, fazendo com que o consumo de álcool fosse retardado aos 21 anos.

 

Em milhões de redações, evidentemente surgirão outras problematizações e propostas de intervenção. Para fins didáticos, restrinjo-me a essas, mas ainda gostaria de deixar uma crítica que diz respeito à pertinência do tema.

Quando tratei deste aspecto no curso do primeiro semestre de 2013, os alunos debocharam da professora e mandaram várias fotos me “homenageando” no Facebook. À época, fiz comentários em sala de aula sobre isso e um de meus alunos sintetizou bem o que sinto em relação à temática dos EFEITOS DA IMPLANTAÇÃO DA LEI SECA: “- Professora, vamos tratar de questões mais importantes, por favor”. Eis aí uma boa reflexão.

O Governo Federal, em plena campanha política, não quis mexer em questões relevantes e que contemplariam os âmbitos previstos no guia, ou seja, “social, científica, cultural ou política”. Se fosse para os participantes do ENEM escreverem sobre tema pertinente, inevitavelmente, os corretores do MEC/CESPE teriam visto críticas severas ao sistema público de saúde, inclusive ao MAIS MÉDICOS, programa que consiste em grande artimanha de quem não abre vagas em universidades públicas, e não investe na estrutura de hospitais, nem nas grandes cidades, nem no interior. Em outra hipótese, leriam críticas severas ao desmazelo frente à educação pública que se encontra em estágio similar há vinte anos, enquanto há talento de sobra, mas valorização humana de menos. Ou o MEC seria obrigado a divulgar as melhores redações em que os jovens bradariam contra a truculência dos agentes de segurança pública, que mais parecem inimigos da população. Além disso, teriam que baixar a cabeça pela forma com que o Poder Público, instituído pelo voto, permite que o meio ambiente seja degradado em nome do progresso de poucos; e assim por diante.

Enfim, fomos obrigados a ingerir uma bebida amarga, que talvez tenha o mesmo efeito alucinógeno que o álcool. Ficamos presos a tema mediano, já discutido, de uma Lei em vigor e que não tem relação direta com a maioria dos jovens que fazem o ENEM, visto que teoricamente estes nem “bebem”, nem dirigem. Só quero deixar, neste COMENTÁRIO À REDAÇÃO DO ENEM 2013, um pedido a todos: continuem lendo e se informando sobre o que é verdadeiramente importante, pois é essencial que o cidadão não se deixe alienar por aqueles que sonham em vê-lo desinformado, calado e inebriado.

(Prof. Esp. Suzana Germosgeschi Luz – Formada em Letras e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso – www.suzanaluz.com.br)